Não há praticamente ninguém na estação.

O frio invade os pulmões à medida que corremos para o comboio. Espera-nos uma viagem pela noite dentro, com cabeças adormecidas encostadas à janela e silêncio dos telemóveis que já não tocam.

Com a escuridão do outro lado, os sons tornam-se mais relevantes, como se nos tornássemos cegos por algum tempo. A esta hora, a cabeça também pede o balançar dos carris. As pernas esticam-se entre lugares vazios.

A viagem no último comboio da noite assemelha-se muito à produção de conteúdo como estratégia de Marketing de atração. E como não podia deixar de ser, passo a partilhar os pontos:

 – É pouco “frequentada” – tal como nesta viagem, poucos investem nesta ferramenta de marketing. Numa época de skills, vendas, números e de quick wins e retorno imediato, o conteúdo não dá esse retorno tão direto. Implica dedicação, preocupação, um plano e alguma inspiração. Sentimos por vezes que estamos sós nesta viagem

 – Lá fora está escuro – quando se promove a venda analisam-se resultados de forma direta. Ao invés, no conteúdo, tudo parece menos claro como as luzinhas que vemos na escuridão do comboio e o nosso próprio reflexo. Até que alguém nos diz, “olha vi o que escreveste”, ” vi a foto”, e já não parece tão escuro.

 – Tem muuitaaas paragens – para quem tem pressa de chegar ao destino, este não é o comboio certo, tal como a produção de conteúdo para marketing de atração. Há quem utilize publicidade, quem inunde de descontos, adquira empresas e equipas. O conteúdo implica passar por apeadeiros que poucos se lembram do nome.
Mas para quem aprecia a viagem (ainda que escura) sabe bem!

– De vez em quando paramos ou andamos mais devagar – quem nunca já parou no meio da linha e ficou tempos e tempos sem saber o motivo pelo qual o comboio anda? Sim, no conteúdo também é assim. Uns calham menos bem, outros mesmo mal. E tal como no comboio, temos de esperar para avançar.

Aprende-se a valorizar a viagem – alguns encaram os comboios ou aviões como meios para chegar a um fim. No último comboio da noite há um misto de desejo de regresso a casa, com um egoísmo de sabermos que não nos ligam, que temos um tempo verdadeiro para nós.
Imagine-se: no conteúdo há semelhanças. O arrepio da imaginação e da antecipação, de colocar-se “nos sapatos” do cliente. De saborear a viagem. Sem isso não há conteúdo de interesse. Sem isso, a viagem não passa de horas entre dois pontos.

– Quando se chega ao destino sabe divinalmente – se passamos a vida a saltar de viagem em viagem, só para chegar ao destino, como é que o valorizamos? Agora se a viagem é longa, bem vivida, aproveitada (nem que seja para estar semi adormecido) quão bem não sabe chegar? No marketin de atração quando começamos a ver frutos, sabemos que foi resultado do que fizemos e não de um acaso, de um golpe de sorte. Custa mais? Sim. Sabe melhor? Sim, mas só para quem aprecia.

Esta viagem também já vai longa. Temos duas formas de ver a viagem no último comboio da noite: eu pessoalmente gosto de encarar como um momento de apreciação, de contemplação, de estar bem comigo e com os outros que partilham essa viagem, seja no comboio ou nas estações.

Há um sentimento de pertença coletiva de quem tem de fazer essa viagem por algum motivo. Mas isto sou eu que gosto de comboios…e marketing de atração.
Boas viagens!

(imagem da ainda romântica Santa Apolónia em novembro de 2015. São Bento é lindíssima, há outras muito especiais, mas Santa Apolónia foi o início e o fim de muitas outras viagens)